quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Um encontro de otimismo com o cantor Rodrigo Madrid

Hoje, quinta 8 de dezembro, o cantor de música regional Rodrigo Madrid interpretou diversas músicas no CREAS Pop, deixando-nos com uma energia positiva e mais dispostos a seguir caminhando.

Com músicas como Vira Virou, Semeadura, Gostava tanto de você, Céu sol sul, Vento negro e Milonga pra mim, Rodrigo animou a conversa com histórias e piadas, elevando nossos espíritos, tanto dos oito trabalhadores presentes como de uma dúzia de beneficiários do serviço. Depois de um cafezinho com a equipe, ele ainda tomou fotos conosco no pátio, confirmando a amizade iniciada há quatro meses

Naquela primeira visita, em 30 de agosto deste ano, o amigo manifestou sua simpatia pelo projeto social do CREAS Pop e se dispôs a seguir colaborando. No mesmo dia, ele postou uma nota de apoio em seu site Rodrigo Madrid.net.

Fotos de F. A. Vidal

domingo, 30 de outubro de 2011

Preciso lembrar que eu existo

Um grupo de 14 usuários do CREAS Pop de Pelotas (na foto) assistiram, quinta 27 de outubro, a um clipe com a música "Sentado à beira do caminho". Cada um recebeu dois versos num papel e disse em voz alta sua opinião sobre essa letra de Erasmo e Roberto Carlos, associando-os com suas próprias vivências.

O desânimo de que fala a música foi visto como uma angústia antiga do personagem, mas que não por isso deveria levar à passividade. Segundo os comentários dos presentes, é melhor confiar na esperança, nunca desistir, não perder tempo, ir atrás do que se quer.

Houve acordo em que acabar logo com isto não significa matar ou morrer, mas sim recuperar a própria existência, talvez perdida, talvez nunca conhecida (lembrar que eu existo).

O heterogêneo grupo participante - que é parte dos 50 usuários que vêm ao centro com mais frequência - são em maioria homens (90%), metade afrodescendentes e de diversos níveis educacionais (desde o analfabetismo até o ensino médio incompleto). Veja abaixo a letra, o clipe e os comentários.

Eu não posso mais ficar aqui a esperar
que um dia, de repente, você volte para mim
[É preciso correr atrás, não perder tempo, tomar uma atitude]

Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim,
estou sentado à beira de um caminho que não tem mais fim
[Morar na rua, cuidando carros, se vê um caminho sem esperança, uma busca sem fim, não se vê o fim nem o rumo]

Meu olhar se perde na poeira dessa estrada triste,
onde a tristeza e a saudade de você ainda existe
[Ele perde alguém e sente saudade. Lembrança da poeira no Estradão]

Esse sol que queima no meu rosto um resto de esperança
de ao menos ver de perto o seu olhar, que eu trago na lembrança
[Tem que ter sempre esperança, nunca desistir. Sempre tem uma luz no fim do túnel, a cada nascer do sol tem uma esperança]

Preciso acabar logo com isto,
preciso lembrar que eu existo

[Até quando verei meu povo se perdendo, não se valorizando?
Quando olho pra mim também penso se vale a pena]

Vem a chuva, molha o meu rosto e então eu choro tanto,
minhas lágrimas e os pingos dessa chuva se confundem com meu pranto.
[Saudade, tristeza. A chuva é como as lágrimas de Deus]

Olho pra mim mesmo, me procuro e não encontro nada,
sou um pobre resto de esperança à beira de uma estrada.
[Procurando um ideal, mas só acha depressão.
Tenta se achar e não consegue, anda perdido]

Preciso acabar logo com isto,
preciso lembrar que eu existo.

[Precisa acabar com o sofrimento. Uma forma é buscando a Deus]

Carros, caminhões, poeira, estrada, tudo se confunde em minha mente,
minha sombra me acompanha e vê que eu estou morrendo lentamente.
[A sombra é o reflexo do personagem. Depende dele morrer ou não]

Só você não vê que eu não posso mais ficar aqui sozinho,
esperando a vida inteira por você, sentado à beira do caminho.
[Magoado, angustiado, desistiu ou está pensando em desistir]

Preciso acabar logo com isto,
preciso lembrar que eu existo.

[Procurar novos caminhos]


Manhã de sábado

O escritor Manoel Soares Magalhães publicou no dia 25 de junho deste ano a seguinte crônica em seu portal de notícias CultiveLer.com (veja o post).

Havia pressa no andar. O cão, desses sem grife, disparava pela calçada levando à boca um pedaço de pão. Às vezes parava, coçava-se desesperadamente, olhando em derredor, para logo prosseguir a corrida.

Atravessou a rua, quase sendo atropelado por um carro. Assustado, apressou a corrida, entrando na Praça Coronel Pedro Osório, indo em direção à Fonte das Nereidas. Ultrapassou o redondo da praça, pegando a alameda que conduz à esquina que dá para o Teatro Guarany. Num salto atravessou a rua, pegando a calçada do teatro.

Logo estava à frente do velho Guarany, onde havia alguém deitado sob um velho e surrado edredom. Sentou-se, largando o pedaço de pão. Espantou mais algumas pulgas, olhando à volta. Encostou o focinho no corpo do morador de rua, fechando os olhos. O pedaço de pão ficou ao seu alcance.

A manhã fria, sem sol, deixava o ambiente ainda mais triste e desolado. Sempre que alguém se aproximava o vira-lata abria levemente os olhos, atento a tudo. Cumpria com zelo sua função de vigilante.

A pessoa sob o edredom mexeu-se. O cão grunhiu levemente, erguendo-se, olhos atentos aos movimentos do dono, cutucando-o com o focinho duas ou três vezes. Como o dono se manteve quieto, o cão tornou a deitar-se, não antes de espantar mais algumas pulgas.

Um gato miou no outro lado da rua, enfiando-se no porão de um casarão. O vira-lata ergueu a cabeça, ladrando baixo, mais por hábito do que por não gostar de felinos. O porteiro do teatro apareceu à porta, erguendo a gola da japona. Olhou o mendigo, balançando a cabeça. Tornou a entrar, fechando a porta atrás de si.

O morador de rua tornou a se mexer, afastando o edredom que lhe cobria a cabeça. Era um negro de cabeça raspada, velho. O cão grunhiu outra vez, aproximando-se das pernas do dono, o qual se encolheu, abraçando-o. Outro cão aproximou-se. Era grande, peludo e aparentemente velho. Seu pelo estava embarrado. Uma coleira de couro pendia em direção ao chão.

Parou numa distância de dois metros do morador de rua. O vira-lata ergueu a cabeça, mostrando os dentes ao recém-chegado. Dentes grandes e amarelos. Os olhos faiscaram.

— Calado, Pimenta — gemeu o dono.

Pimenta, porém, não estava satisfeito com a chegada de um rival. Pôs-se de pé, arreganhando os dentes, através dos quais a baba da raiva escorreu. Incontinente, abocanhou o pedaço de pão, olhando firmemente o intruso, que, pacientemente, sentou-se na calçada, limitando-se a olhar o pequeno e feroz vira-lata.

— Me deixa dormir, Pimenta! — tornou o dono, mexendo-se sob o edredom.

O cão, todavia, se mantinha rosnando, olhando de soslaio o cachorro invasor, que, displicente, resolveu erguer-se. Espantou suas pulgas e, indiferente, foi-se calçada afora, sem olhar para trás. Pimenta, por sua vez, não largou o pedaço de pão. Deitou-se outra vez, mas o fez com a sua e a comida do dono firmemente presa à sua boca.

Fechou os olhos. Ambos permaneceram quietos, indiferentes à vida que acontecia à volta. O outro cachorro seguiu até a esquina, parando. Olhou na direção do vira-lata. Lambeu-se, coçou-se, e dobrou a esquina. Longe o ruído de uma sirene quebrou o silêncio da manhã de sábado.
Fotos: F. A. Vidal (1) e M. Magalhães (2)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Alguém que esteja sempre com você

Não estou disposto a esquecer seu rosto de vez
e acho que é tão normal.
Dizem que sou louco por eu ter um gosto assim
gostar de quem não gosta de mim.

Jogue suas mãos para o céu e agradeça se acaso tiver
alguém que você gostaria que estivesse sempre com você
na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

sábado, 15 de outubro de 2011

Sobre mendigos, revoluções e sapatos

Um sujeito, desses que bate na casa da gente pedindo se tem alguma coisinha pra dar, abordou-me no portão de entrada. Não cheirava a trago, nem parecia dopado. Sóbrio e direto em sua súplica. Qualquer roupa, casaco ou sapato servia. Estava todo esfarrapado e com frio. Mostrou a metade do pé pra fora dos guides.

Tive dó. Não foi culpa social ou religiosa. Lembrei do velho sapato que aposentei no inverno passado, guerrilheiro refugiado na sapateira. Couro marrom. Todo desbotado, desgastado e outros qualificativos batidos pelo uso. Ao menos estava em melhores condições que o desbeiçado pisante do rapaz. Deus que me perdoe, comparar meus pertences aos do mendigo. Mendigo, pedinte, reservista do exército de mão de obra... Sei lá como chamar em bom politiquês quem pede de porta em porta. Prometi dar uma olhada. Dois lances de escada e julguei que era o passo certo a dar. Por que ficaria com um calçado sem uso, havendo um necessitado lá fora? Coloquei numa sacola de súper. De brinde, um blusão cheio de bolinhas que aguardava a limpeza com prestobarba.

Pegou a doação, espiou, agradeceu e seguiu buzinando o porteiro dos meus vizinhos. Como assim? Não ia calçar ali mesmo? É impermeável sabe, moço? Tá chovendo, né? Não disse nada. Aquilo me corroía. Pior que não sei fazer caridade desde meu socialismo utópico universitário, morando com a mãe. Afinal, é papel do governo acabar com as desigualdades ou que enfrente a luta armada.

Estava ressabiado com tamanha ingratidão. Esperava nada menos que uma reação eufórica do sujeito. Resolvi manter a calma e o controle. Aquilo não me pertencia mais. Tentei olhar a cena com lirismo poético. Significaria uma sobrevida. Seguiria passeando pelas ruas de Satolep nos pés de um andarilho solitário.

Foi então que saquei. Era seu uniforme. Só podia ser. Ele usava aquela roupa rasgada pra sensibilizar a classe dominante. E se tiver uma comida, emendou, também aceitava.

Ah, não, tchê pode parar. Que negócio é esse? Já dei o meu melhor sapato e um blusão praticamente novo. O.k., não foi bem assim que eu disse, mas resmunguei algo. Uma ideia veio à cabeça enquanto eu subia a escada de volta. Esse louco vai botar o meu sapato fora. Vai ver não gostou. E se pedisse de volta? Dissesse que o tinha prometido a um parente? Não. Nunca menti direito. Escorregaria em algum detalhe. Precisava conformar-me com o destino incerto do calçado. É o fetiche da mercadoria. Fecha os olhos da gente. Impressionante o quanto me agarrei àquele par andante. Supermacio. Por que não calçava logo? Fazia o quê? Uma acumulação primitiva de calçados?

Voltei com um pacote de polenta e a cara mais amarrada do mundo. Ele não estava mais lá. Caminhava em direção à Donja, carregando um saco de ráfia cheio da caridade alheia. Forcei a vista o que pude e ao longe enxerguei um dedão, ainda de fora.

Um camarada do tempo da faculdade dizia que não se deve dar esmola ou fazer assistencialismo pois atrasava a revolução! Foi o mesmo que mais tarde falou que a única revolução que desejava fazer era em sua conta bancária. Os pobres sempre estarão conosco. Será?
Márcio Ezequiel

domingo, 14 de agosto de 2011

Cada país tem seus mineiros soterrados

Em 6 de agosto, o Diário Popular publicou um editorial sobre a situação atual dos mineiros chilenos liberados há um ano (Todo país tem sua mina chilena). Cada frase pode ser lida metaforicamente como uma denúncia do desastre social vivido em nosso país, do qual todos participamos. Veja abaixo uma versão condensada.

A vida continua tão difícil para os 33 mineiros resgatados há um ano quanto o período em que ficaram presos na mina chilena de San José, no deserto de Atacama, em 5 de agosto de 2010, após um desmoronamento. [...]

A situação atual da equipe é a seguinte:

  • 7 estão sob licença médica devido a transtornos do sono e depressão, 5 tentam se livrar do alcoolismo e 14 pediram aposentadoria antecipada, pois sentem-se incapazes de voltar a trabalhar.

  • Entre os 19 que pretendem continuar trabalhando, 4 voltaram às minas, 10 estão em atividades temporárias (taxista, pedreiro e vendedores de frutas e verduras em feiras) e 5 ministram palestras sobre segurança no trabalho e motivação.

  • A luta longe da mina agora é outra: 31 deles decidiram processar o governo chileno por negligência e cobram na Justiça indenização de 540 mil dólares (cerca de R$ 890 mil) para cada um.

Os mineiros de San José [...] um ano depois, voltaram a ser as pessoas comuns que sempre foram e a enfrentar os mesmos problemas anteriores ao acidente: baixos salários e dificuldade para encontrar emprego. [...]

"Espero que isso nunca mais volte a acontecer" foi a frase dita pelo líder e o último a ser resgatado, Luis Urzúa. Palavras que poderiam muito bem ser aplicadas aos que vivem “soterrados” pelos efeitos das desigualdades sociais, seja no Chile, no Brasil, na Espanha ou nos Estados Unidos.

Cada país tem sua mina cheia de trabalhadores. Algumas nações esforçam-se para resgatá-los, outros adotam medidas paliativas e muitos optam por deixá-los sempre no fundo do poço.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

CREAS Pop reabriu em 4 de julho

Sexta-feira passada (1 de julho), a Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal anunciou a reabertura do CREAS Pop de Pelotas para esta segunda, após duas semanas em reformas internas (leia a notícia). Na sexta 17 de junho havia sido feito o primeiro anúncio (leia a nota).

Hoje (4) a notícia do mesmo site (leia) confirmou o funcionamento normal do serviço (texto abaixo), num dos dias mais frios de 2011.

Após um breve período fechado, para execução de obras, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População de Rua (CREAS Pop) reabriu as portas nesta segunda-feira (4). Vinte e quatro pessoas procuraram o local na reabertura, informa a coordenadora da Casa, Silvia Chaigar.

Conforme Silvia, pequenas reformas, que não afetam o atendimento aos usuários, ainda estão sendo realizadas. “Optamos por reabrir a Casa, mesmo ainda executando pequenas melhorias, devido ao frio, pois com estas baixas temperaturas a procura tende a ser maior”, destacou Silvia.

Dentre as melhorias, foram instaladas duas caixas d’água para facilitar os banhos dos usuários e a lavagem de roupa, está sendo implantada uma sala de inclusão digital, com cinco computadores, onde serão oferecidas aulas de noções básicas de informática e orientação de como fazer currículos – uma das maiores demandas, de acordo com Silvia.

Assim como anteriormente, diversas atividades estão programadas para esta semana. Nesta tarde de reabertura uma reunião entre técnicos e usuários foi realizada, a fim de discutir demandas e normas da Casa, entre outros temas. Amanhã (5), a partir das 14h, será disponibilizado aos usuários serviço de corte de cabelo; na quarta-feira (6), aula de percussão, ministrada de forma voluntária pelo percussionista Renato Popó. Na quinta, uma festa junina e a apresentação do Palhaço de rua Bolaxa animarão a tarde. E para encerrar a semana será realizada uma palestra sobre Educação para Adultos.

O CREAS Pop, que é coordenado pela Secretaria de Cidadania e Assistência Social (SMCAS), é um local destinado a acolher, durante o dia, pessoas que vivem em situação de rua, e conta com uma assistente social, um psicólogo e dois educadores. Entre 25 e 30 pessoas utilizam o espaço diariamente.

O Centro funciona de segunda a sexta-feira, das 11h às 17h, na rua Doutor Cassiano, 152, quase esquina Gonçalves Chaves. Lá, a população em situação de rua encontra um espaço para higiene pessoal, alimentação, oficinas, palestras, entretenimento, recebem material de higiene e limpeza. O endereço é também uma referência para os usuários, que o utilizam até para correspondência.

sábado, 2 de julho de 2011

Cidadão Oculto: documentário

Documentário de 14 minutos realizado em 2009 com sete catadores de materiais recicláveis e moradores de rua da cidade de Belo Horizonte (MG). A atividade foi realizada como uma oficina de cineclube do Centro de Referência para População de Rua, administrado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.


domingo, 26 de junho de 2011

Arte de rua pode combater o vandalismo

O grafite de rua poderá ser um aliado contra as pichações ilegais em Porto Alegre (RS). A ideia, que surgiu em março passado na Câmara da capital gaúcha (veja notícia), consiste em mapear os prédios e equipamentos públicos que poderão ser usados por grafiteiros, para evitar o vandalismo.

Na ocasião, o presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (COSMAM) da Câmara, vereador Thiago Duarte (PDT), salientou que pichação não é o mesmo que grafite, técnica em que se desenham painéis temáticos contemporâneos. Um banheiro público da Capital já foi adotado por grafiteiros e não sofreu mais vandalismo.
A pichação é mais agressiva e desestruturada, e é considerada - pelo menos em Porto Alegre - infração à Lei Ambiental, com penas de detenção entre 3 meses e 1 ano, prestação de serviço à comunidade ou reparação de dano.

Em Pelotas, há grafitagem dos dois tipos, e muitos grafiteiros já usam prédios abandonados ou sem uso para deixar suas mensagens, sem distinguir se a propriedade é privada ou pública, ou se a pintura foi solicitada ou não. Na garagem da esquina da Gonçalves Chaves com General Argolo (abaixo), os artistas ocuparam em 2010 todas as paredes externas, mas o dono as apagou meses depois.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Logos de CRAS ao longo do Brasil

Os centros de referência de assistência social têm ido aparecendo ao longo do Brasil, definidos por políticas públicas e administrados pelos municípios, em parceria com o governo federal. Sejam eles CRAS (de proteção social básica) ou CREAS (focados em certos programas de proteção social especial de média complexidade), buscam chegar aos usuários de diversas formas, como a busca ativa e a divulgação informal pessoa a pessoa.

A publicidade é uma opção pouco utilizada, talvez porque a clientela da assistência social não seja tradicionalmente muito focada por campanhas públicas, ou porque a própria publicidade tenha um viés comercial em nossa sociedade.

Em todo caso, o uso de logos especiais já começa a ampliar-se nos serviços públicos. Um desenho simples com uma casa e figuras humanas em cores serve de base para difundir a imagem dos CRAS ante a população-alvo.

Alguns exemplos encontrados na internet são os de Itápolis (SP), Utinga (BA) e Sertanópolis (PR), nas três imagens desta nota, nessa mesma ordem.

Em todas elas, uma casa simboliza proteção e segurança, um sol brilhando sugere que as oportunidades positivas podem surgir para todos, independentemente da história ou da situação presente, e as pessoas são representadas por duas grandes e uma pequena, simbolizando homem, mulher e criança. O céu, a terra e o ser humano.

O conceito de família nuclear é bem simples e preciso, mas é uma referência, ainda que ideal, um modelo a ser alcançado pela vivência e pela convivência. Sabemos que na realidade social costumam faltar os representantes concretos de pai e mãe, mas na mente humana persistem esses símbolos, que são a figura adulta de nosso próprio sexo ou gênero, e a figura adulta do sexo oposto.

Essas são as pessoas a serem atendidas pelo sistema: nosso lado adulto e nosso lado criança, o ser independente em permanente emancipação e desenvolvimento, e o ser carente, em processo de aquisição de instrumentos pessoais.

domingo, 1 de maio de 2011

Uma pessoa invisível pode ser muito chamativa

Na Avenida Independência, em Porto Alegre, muitos sem-teto passam a noite ou até mesmo algumas horas do dia dormindo. Este domingo (1), Dia Internacional do Trabalho, um deles achou um espaço de seu tamanho e se fez muito chamativo em sua invisibilidade. A tarde estava ventosa e algo fria, o que explica a necessidade de cobrir todo o corpo para manter a temperatura na breve sesta.

A cidade tem um centro municipal para atendimento de população de rua (estimada hoje em cerca de 1800 pessoas). Mas o serviço de abordagem ao parecer não trabalha nos domingos, e os que não querem ser abordados usam essas frestas do horário para dormir em relativa paz. Há muitos que não desejam atendimento social, que costuma colocar regras e diretrizes para sair da vida de rua.

Em um mês de trabalho no CREAS Pop de Pelotas (de 1 a 29 de abril), já vimos 3 pessoas em situação de rua (sem moradia nem emprego) que pediram internação psiquiátrica no Hospital Espírita, com o fim de receber tratamento (um com sintomas de esquizofrenia, um com alcoolismo e um com uso de crack). Pelo menos por um período, os carentes têm lá habitação, comida e roupa. Dois deles já conseguiram.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pessoas invisíveis por trás do trabalhador de rua

Há cerca de 12 anos, o estudante da USP Fernando Braga da Costa começou um trabalho para a disciplina de Psicologia Social, que com o tempo se transformou em pesquisa de mestrado e doutorado. A proposta inicial era realizar uma observação participante, assumindo durante um dia um ofício reservado a pessoas pobres.

Fernando escolheu ser gari na própria universidade, por aquele dia, mas continuou o estudo por mais uma década, vestindo uniforme, varrendo, limpando ruas e fossas, debaixo de chuva ou sol. Na foto à direita, ele é o jovem de pele clara, ao lado dos "verdadeiros garis" (leia entrevista).

Em nível de pós-graduação, o psicólogo desenvolveu a tese sobre a “invisibilidade pública”: em certas funções como faxineiro, ascensorista, empacotador e gari, a sociedade só percebe o uniforme e não enxerga a pessoa do trabalhador.

A tal ponto chega a invisibilidade de quem se uniformiza nesta função, percebida como socialmente inferior, que a mesma pessoa pode ser reconhecida e cumprimentada quando aparece como ela mesma e, momentos depois, pode ser ignorada se estiver vestida como gari ou lixeiro. Foi o que o pesquisador observou, desde o início. Até os animais têm um nome próprio, mas um lixeiro é visto pelo público como uma coisa amorfa.

A investigação social se traduziu, em 2002, na dissertação de mestrado "Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública" (leia o resumo) e posteriormente uma tese de doutorado ( (veja a notícia da ISTOÉ Gente sobre a publicação do livro Homens Invisíveis – Relatos de uma Humilhação Social, Editora Globo, 2004).

terça-feira, 26 de abril de 2011

A fábula da convivência

Durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Ante essa situação, os porcos-espinhos resolveram juntar-se em grupos, para assim se agasalhar e se proteger mutuamente.


Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que ofereciam mais calor, e decidiram se afastar uns dos outros.

Por isso começaram de novo a morrer congelados, e precisaram fazer uma escolha: ou desapareciam da Terra ou aceitavam os espinhos dos companheiros.


Com sabedoria, decidiram voltar a ficar juntos. Aprenderam a conviver com as pequenas feridas que a relação com uma pessoa muito próxima podia causar, já que o mais importante era o calor do outro. E assim sobreviveram.


Moral da história:
O melhor relacionamento não é o que une pessoas perfeitas, mas aquele onde cada um aprende a conviver com os defeitos do outro, e admirar suas qualidades.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A equipe inicial do Pop-Rua

Sexta-feira 4 de fevereiro, recém-chegada de férias a coordenadora Sílvia Chaigar, ficou definida a equipe inicial do projeto CREAS Pop-Rua de Pelotas (Centro de Assistência Social para População de Rua) com duas assistentes sociais, um psicólogo e uma educadora social. Naquela manhã tivemos nossa primeira reunião (foto abaixo), que foi uma conversa para lançar ideias e conhecer nossas disposições pessoais. A partir da direita: Beatriz Garcia, Mariglei Argiles, Aline Silva e Francisco Vidal.

Cada um de nós tem alguma qualificação profissional em sua área, seja em serviços de média ou alta complexidade social/mental, mas nenhum traz experiências com população de rua, que é uma área de trabalho nova para muitos técnicos.

No entanto, já estamos pesquisando informações e esboçando um plano de ação. Experiências valiosas nos foram relatadas por Aline Leal, psicóloga que desde junho passado vinha pensando no projeto e participou de um encontro de CREAS em São Leopoldo (nesta nossa reunião ela esteve presente e bateu a foto).

Para contribuir mais ainda nesta pesquisa foi aberto este blog, destinado a embasar o trabalho do CREAS Pop-Rua de Pelotas e manter a comunidade informada. O endereço é fácil [poprua.blogspot.com] mas o Google não ajuda a achar.

Segundo a Norma Operacional Básica do SUAS, cada centro de referência especializado (CREAS) com capacidade de atendimento para 80 pessoas requer (além dos 4 acima citados): um coordenador próprio, um segundo psicólogo, um advogado, 4 profissionais para abordagem e dois administrativos (baixe aqui o documento NOB-RH 2007, v. pág. 22). Calcula-se que em Pelotas haja entre 150 e 200 moradores de rua, de acordo às porcentagens já observadas em cidades de mais de 250 mil habitantes. Comparando com metrópoles, somos uma cidade pequena, mas isso não significa que este trabalho seja fácil ou rápido.

Pela norma oficial para municípios em Gestão Plena, estamos ainda com um terço da equipe mínima de 12 funcionários, mas é preciso começar com pouco e esperar o andar da carruagem. Como seria se já de saída tivéssemos uma dupla de psicólogos, uma de assistentes sociais, uma de educadores, um enfermeiro e um advogado? Luxo demais?

Após a primeira saída de campo (visita à Casa de Passagem, na terça 8), tivemos nossa segunda reunião no CREAS, na quinta 10 (última foto, tomada por Márcia, psicóloga do CREAS), quando esboçamos por escrito as linhas gerais do projeto. Ele deve passar por outras opiniões até ser apresentado ao Conselho Municipal de Assistência Social.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Desgarrados (Mário Barbará)

Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas,
Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas,
Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas
E são pingentes nas avenidas da capital.

Eles se escondem pelos botecos entre os cortiços
E pra esquecerem contam bravatas, velhas histórias.
Então são tragos, muitos estragos, por toda a noite:
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho.


Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade,
Viram copos, viram mundos,

mas o que foi nunca mais será...
mas o que foi nunca mais será...


Cevavam mate, sorriso franco, palheiro aceso,
Viravam brasas, contavam causos, polindo esporas,
Geada fria, café bem quente, muito alvoroço,
Arreios firmes e nos pescoços lenços vermelhos.

Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno,
O milho assado, a carne gorda e a cancha reta.
Faziam planos e nem sabiam que eram felizes:
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho.


"Desgarrados", de Sérgio Napp e Mário Barbará Dornelles, ganhou a 11ª Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul em 1981.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

De cães e mendigos (crônica)

O escritor pelotense Manoel Soares Magalhães publicou esta crônica na terça-feira 6 de julho de 2010 (leia os comentários no blog Amigos de Pelotas).

Como gosto muito de caminhar - de preferência muito cedo -, percebo que os moradores de rua, nos últimos anos, aumentaram consideravelmente em Pelotas. Amanhecem sob as marquises, nos vãos das portas ainda não gradeadas, via de regra na companhia de seus guardiões, os cachorros.

Chega a ser comovente a forma como velam o sono dos mendigos, de todos os sexos e idades. À frente do Campo do Esporte Clube Pelotas, na Avenida Bento Gonçalves, abaixo do portão central, cinco ou seis moradores de ruas se aninham, aquecendo-se como podem, buscando no sono a libertação de suas amarguras cotidianas. Em derredor os cachorros, de todos os tamanhos, vigilantes, dormindo ou catando pulgas.

Por isso sou obrigado a reconhecer que são, realmente, os melhores amigos do homem, pois aceitam a miséria que lhes é imposta para permanecer na companhia de seus donos, que não pode lhes dar nada, exceto carinho. Às vezes paro para observar-lhes o olhar, do qual pinga mel de tanta veneração que têm pelas almas errantes que, dia após dia, seguem pelas ruas da cidade na dolorosa faina de sobreviver num mundo cada vez mais duro e excludente.

Dias atrás, tomando café no Aquário, vi adentrar um desses anônimos que vagabundeiam pela cidade, dirigindo-se à caixa. Enfiou esquálida mão no bolso, do qual emergiu amassadas notas. Pagou o direito de tomar um cafezinho como todo mundo, acotovelando-se no balcão.

Claro que se abriu ao seu redor um clarão, pois seu cheiro, digamos, não era dos mais atraentes. Chegada sua vez, serviram-lhe o cafezinho. Em vez de tomar, pegou a xicrinha e, com desenvoltura, levou-a a rua. Foi em direção à Caixa Econômica, onde, sentado no chão, costas à parede, esperava seu companheiro, retinto negro de olhar esfaimado, com a perna direita enfaixada.

Estendeu-lhe a xícara, que foi pega por hesitante e trêmula mão. À volta, claro, quatro ou cinco cães, línguas de fora, esperando o desenrolar da história. O negro tomou o cafezinho lentamente, sorrindo satisfeito, entregando depois a xícara vazia ao seu companheiro de infortúnio, que girou sob os calcanhares e foi em direção ao Café.

Deixou a xícara no balcão e, tranquilo e sorridente, abandonou o recinto, dirigindo-se na direção do amigo, ajudando-o a erguer-se. Seguiram manquejando pela Sete de Setembro em direção à Anchieta. Os cães, alegres, seguiram-lhes os passos. Logo desapareceram na esquina.

Fiquei parado na porta do Café, aturdido diante do gesto de grandeza que presenciara. Segui depois em direção à Praça Coronel Pedro Osório com sensação de solidão, querendo, talvez, a companhia de um cão pulguento e sarnoso, e, de quebra, alguém com o coração generoso a seguir-me os passos, mesmo em demanda do abismo.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Na rua (animação)

As crianças sem lar de ontem são os moradores de rua de hoje.

As crianças de rua de hoje poderão ser os adultos sem lar de amanhã.

Vídeo premiado com Menção Honrosa de melhor animação em outubro de 2008. Direção de Ivan Mola.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Como é bom se sentir acompanhado!

O sacerdote jesuíta chileno Felipe Berríos assinava, ao redor do ano 2005, uma coluna no jornal El Mercurio de Santiago do Chile, um de cujos textos levou o título: "O sentido do Natal" (leia o original El Sentido de la Navidad).

Lembro quando eu era seminarista e estudava Teologia no centro jesuítico. Era véspera do Natal e eu passava defronte a um edifício próximo a nossa casa, no centro de Santiago.

Nisso, ouvi gritos e vi um mendigo sendo expulso pelo portão. Nós conhecíamos todos os que diariamente batiam nas portas pedindo ajuda, e este era um que chamávamos de Filósofo: ele mereceu o apelido porque lia muito e costumava comentar os artigos da nossa revista. *

Com sua longa barba e roupas esfarrapadas, o Filósofo caiu na calçada, sem se machucar, mas estava alterado e se sentia ferido em sua dignidade. Saímos caminhando e eu tentava acalmá-lo, dizendo que era Natal e não valia a pena se incomodar. Ele falava da sua humilhação em ser tratado como um bicho, principalmente pelo seu aspecto e porque mendigava.

Chegamos perto da minha casa, já mais calmo ele, e eu perguntei se ele queria comer alguma coisa. Disse que não, mas ele é que ia me convidar.

Sem esperar a resposta, tirou de um dos sacos uma garrafa plástica das grandes, sem gargalo, engordurada por fora, cheia de comida que ele havia recolhido das lixeiras da rua: restos de peixe, de torta, de arroz, pão, tomates.

Sentamos no meio-fio para a nossa refeição. Usando um pão como colher, o Filósofo me ofereceu a primeira porção. Não sei que cara fiz, mas ele disse:

— Não se preocupe, padre, é comida fresca. Recém tirei do lixo.

Fiz um esforço e engoli aquele primeiro pedaço, que foi o mais difícil. O que mais me desagradou foi perceber, com a língua, caroços de azeitona deixados por alguém naquelas sobras. No final, o Filósofo me agradeceu a companhia no almoço e disse:

— O senhor não tem ideia como é bom se sentir acompanhado.

Eu também lhe agradeci pela companhia, mas o que ele nunca soube é que eu agradecia muito mais por ter sentido a profundidade daquele Natal: o fato de que o Filho de Deus vem compartilhar nossa humanidade, nascer entre nós para fazer-se como nós, sem se envergonhar da nossa condição humana.

Assim como aquele mendigo, nós humanos podemos dizer com alegria, ao sentir em cada Natal o Filho de Deus junto de nós:

— Vocês não têm ideia como é bom se sentir acompanhado!

* Revista Mensaje, publicação mensal dos jesuítas
Foto: Ronaldo Mitt (Flickr)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Morador de rua deseja um mundo melhor

O Governo Lula foi o primeiro a definir uma política nacional para moradores de rua, em dezembro de 2009 (veja o Decreto nº 7053). Pouco antes da mudança de governo, em dezembro de 2010, Maria Lúcia Santos Pereira — integrante do Movimento Nacional da População de Rua (Salvador da Bahia) — foi convidada para falar aos dois governantes - o Presidente e a sucessora (leia notícia).

O impresso O Trecheiro publicou um resumo escrito depois por ela, com o título "De frente com o Presidente" (os grifos são meus).

Durante muitos anos da minha vida, senti o desprezo e o descaso de uma sociedade que se dizia democrática e partidária. Ao entrar de cabeça no Movimento Nacional da População de Rua, de uma certa forma, foi um grito de liberdade e do desejo de ver um mundo melhor. Vontade de me sentir humana de novo, pois as ruas tiram toda a nossa dignidade e identidade.

Em 2009, tive o prazer de sentar perto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e vê-lo assinar o Decreto das Políticas Publicas da População de Rua, que, a meu ver, é nossa carta de alforria, pois éramos escravos do descaso e da discriminação da sociedade. Num momento pude ver de perto o rosto de um homem que havia olhado para o nosso sofrimento, que nos possibilitou sair da invisibilidade rumo ao protagonismo.

Ao ser convidada para fazer um discurso de agradecimento ao presidente Lula e, ao mesmo tempo, sensibilizar a presidente Dilma, em 2010, me deu um pavor imenso. Como colocar em palavras tanta gratidão, como expressar a alegria de milhares de companheiros, que haviam voltado a sonhar novamente. [...] fiquei a relembrar as partilhas, as reuniões, o brilho dos olhares que trocamos, as euforias dos planejamentos, as estratégias que idealizávamos. Pois foi isso que Lula nos deu: a vontade de lutar, a força para gritar, o desejo de nos organizar. E quando chegou o momento, permiti que tudo fluísse, percebi que bastava apenas deixar o coração falar. E o meu coração falou.

Ao me inclinar diante dele, não era a atitude de submissão e de sim de respeito e, porque não dizer reverência, não como se reverencia a um Deus, mas a um ser humano. Pois o mundo tem sede e fome de mais seres humanos.

Ser humano é ser firme sem perder a doçura, é ter honra e respeito com o mais fraco, é cumprir a palavra dada, é não esquecer que acima das ações deve existir o coração, é não ter vergonha de chorar e de se alegrar.
Somente uma coisa eu não falei e que ficou engasgada: pedir que ele não se fosse, que ele continuasse o que havia começado. Porém o meu coração ficou em paz, quando ele me falou no ouvido, que agora voltaria a visitar as ruas e que não nos abandonaria e nem nos esqueceria.
O Trecheiro nº 194 (Rede Rua de Comunicação, São Paulo, jan-fev. 2011)


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Pra rua me levar (Ana Carolina)

Composição de Ana Carolina e Totonho Villeroy, nas vozes de Ana Carolina e Seu Jorge. Do CD e DVD Ana & Jorge (São Paulo, 2005).

Não vou viver como alguém que só espera um novo amor,
Há outras coisas no caminho onde eu vou.
Às vezes ando só trocando passos com a solidão,
Momentos que são meus e que não abro mão.

Já sei olhar o rio por onde a vida passa,
Sem me precipitar e nem perder a hora.
Escuto (n)o silêncio que há em mim e basta,
Outro tempo começou pra mim agora...


Vou deixar a rua me levar,
Ver a cidade se acender.
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você...

É, mas tenho ainda muita coisa pra arrumar:
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri,
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar,
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir...


Edição de vídeo: Olímpio Martins Santana, 2008

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Atual logo do CREAS de Pelotas

O CREAS de Pelotas criou o logo da figura abaixo, há cerca de um ano, e o fez imprimir em documentos e em camisetas de trabalho usadas por todo o pessoal técnico e de apoio. A equipe do assim chamado "CREAS Pop-Rua" está, em seus inícios, sob a mesma coordenação e usará esta identificação em seu trabalho.

Independentemente de que o novo serviço para população de rua possa ter um logo próprio, o CREAS terá que revisar a sua identificação visual, pois a sigla PPD - pessoa portadora de deficiência - já não é usada oficialmente. Ela foi substituída por PCD: pessoa com deficiência (defeitos sensoriais, intelectuais e de movimento). A medida segue a Convenção da ONU para Pessoas com Deficiência (leia o texto), que busca a inclusão das pessoas desconsideradas pelo sistema social.

Essa mudança legal não parece muito relevante, pois a realidade das pessoas segue sendo a mesma. As expressões PPD e PCD até contêm um tom burocrático, ao se referir às pessoas mediante letras. Na verdade, o sistema oficial usa siglas para os programas e serviços (todos com longos nomes), e neste caso aplicou-se também aos usuários, para abreviar (o termo "deficiente" seria ainda pior, pelo conteúdo pejorativo).

Existe uma categoria mais ampla, as Pessoas com Necessidades Especiais (PNE) que, além das pessoas com deficiências (PCD), inclui: obesos, gestantes, idosos e diversos casos especiais (como dificuldades de aprendizagem, de comunicação).

Hoje o objetivo é a inclusão, mas com o tempo estas discriminações legalizadas deveriam dar lugar a um tratamento igualitário e personalizado, por difícil que seja numa sociedade tão numerosa, injusta e regulamentada.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Endereço da casa do CREAS Pop-Rua

O sítio da Prefeitura de Pelotas voltou a noticiar hoje (7) sobre a inauguração em março do CREAS Pop (leia a notícia). A informação acrescenta agora o endereço (rua Doutor Cassiano, 152) e a foto (dir.) da casa exclusiva que sediará o serviço assim denominado.

A Secretaria de Cidadania e Assistência Social vinha atendendo a população de rua somente com a Casa de Passagem, onde um só profissional ainda realiza e coordena o trabalho. Desde março, o inédito serviço será oferecido por uma equipe (durante o dia) e a Casa de Passagem acolherá a população à noite.

Estas informações (tanto as oficiais como as deste blogue) buscam dar visibilidade ao atendimento dos moradores de rua e a esta população que tem sido tradicionalmente deixada de lado (pelos governos, por suas famílias de origem e por si mesmos). A comunidade pelotense precisará não só conhecer mas também entender e aceitar que este segmento da população pode ser resgatado e desenvolver-se na vida.

Neste blogue espero esclarecer, com o tempo, este processo de construção do novo serviço, que terá suas dificuldades, como toda coisa nova. Ele é construído com verbas federais permanentes e com uma contrapartida local, em que a Prefeitura providencia a casa e itens materiais. Realiza-se assim uma das políticas públicas atuais, destinada à extrema pobreza e aos adultos afetados pelo abandono e pelas drogas.
Foto: J. Tomberg

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Planos de Desenvolvimento (PDU) e Atendimento(PIA)

Segundo a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, o Plano de Desenvolvimento do Usuário (PDU) é um instrumento de observação, planejamento e acompanhamento das ações realizadas com o usuário de um serviço.

A equipe técnica (assistente social e psicólogo) elabora um plano específico para cada beneficiário (por exemplo, do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que pertence à Proteção Básica). Nesse instrumento, sistematiza-se e planeja-se o trabalho de acompanhamento. O PDU se concentra nas reais demandas dos usuários e suas famílias, e busca identificar as suas vulnerabilidades e potencialidades, para prevenir agravos que levem ao rompimento dos vínculos familiares e sociais, ao confinamento, à exclusão social e comunitária.

A definição detalhada dos serviços socioassistenciais para 2011 em Campinas (SP) menciona a aplicação do PDU para o Serviço Pop-Rua e para o Abrigo Institucional, ambos da Proteção Especial (Resolução nº 1 de 2010 da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social, Diário Oficial de Campinas, p. 9 e 13).

O Plano de Atendimento Individual (PIA) define o modo de atendimento de um adolescente internado (em conflito com a lei) e pactua metas que favoreçam a construção de um projeto de vida. O instrumento é aplicado na primeira acolhida, parte com diversos diagnósticos especializados (jurídico, médico, psicológico, social, pedagógico) e serve para o acompanhamento do adolescente no caminho em direção a suas metas (veja orientações).

O PIA foi definido pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), criado pelo projeto de lei nº 1627 de 2007, que também regulamenta as medidas a serem tomadas com os adolescentes infratores.

O texto legal se refere ao PIA como um plano que contém, por exemplo, atividades de integração social e capacitação profissional; de integração e apoio à família; e medidas específicas de atenção à saúde (leia nota da Agência Câmara, de junho de 2009).

Escrevi esta nota buscando pelas diferenças entre PIA e PDU, mas não me pareceram claras, exceto pela área de aplicação. Se algum leitor pode contribuir com opiniões, pode fazê-lo nos comentários.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Serviço "Pop-Rua" é de média complexidade

A Resolução nº 109 (clique para ler) do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de 11-11-09, que descreve os serviços socioassistenciais existentes no Brasil, tipifica o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua entre os denominados "de média complexidade" (atende pessoas com seus direitos violados mas cujos vínculos não se romperam totalmente).

O termo "alta complexidade" se aplica à Proteção Especial que trata pessoas em situação de violação de direitos, que perderam suas casas, suas famílias e/ou não têm uma moradia de referência. Os serviços deste grau são: acolhimento noturno (em albergue, casa de passagem, república ou família acolhedora) e proteção em situações de emergência. Veja definição na Política Nacional de Assistência Social, de 2004 (p. 32).

As pessoas em situação de rua poderiam entrar nessa categoria (alta), mas não se pressupõe que todos os "moradores de rua" hajam perdido suas moradias e seus vínculos — ao contrário, a premissa é que eles possam ter contato com uma família de referência. O trabalho, portanto, se foca na busca dessas vinculações.

O serviço à população de rua, considerado de modo completo, exige o trabalho conjunto de três equipes:

  • a do Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS), que busca os potenciais usuários — tarefa de média complexidade,
  • a de um espaço adequado de pernoite (albergue, república ou casa de passagem), onde o serviço é classificado como de alta complexidade, e
  • a de uma casa diurna, com atividades de socioeducação e desenvolvimento pessoal (o propriamente dito Serviço "Pop-Rua") — média complexidade.

Assim, a população de rua se encontra em alguma de duas situações, segundo receba Proteção Especial de média complexidade (os que podem habitar com algum familiar de referência) ou de alta complexidade (os que não têm esse nexo nem moradia alguma). As pessoas se diferenciam por suas necessidades, mas a classificação é para os serviços, como se exemplificou acima.

É importante recordar que - de acordo às definições atuais - a pessoa é considerada "de rua" enquanto depender da rua para viver, por alimento ou trabalho, mesmo que habite sob algum teto. As vinculações familiares ou comunitárias ajudam a pessoa a se inserir na sociedade de modo positivo, mas ela pode requerer ajuda especial para obter documentos, orientação e mais e melhores vínculos.

Os serviços (de média complexidade) do Pop-Rua dão orientação individual e grupal, permitem realizar atividades coletivas e/ou comunitárias, encaminham a outros serviços socioassistenciais e de documentação, proporcionam espaços para guarda de pertences, higiene pessoal, recreação e lanche.

O fato de proporcionar um endereço institucional (casa do Pop-Rua) permite a localização da/pela família, parentes e pessoas de referência, assim como um melhor acompanhamento do trabalho social.

O atendimento personalizado e o fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares oportunizam a construção de novos projetos de vida. Facilitam-se a autonomia e a autoestima, a inserção social e a proteção às situações de violência.

Alguns trabalhos essenciais ao serviço:

  • acolhida e escuta;
  • estudo social e diagnóstico socioeconômico;
  • informação e defesa de direitos;
  • orientação para acesso à documentação pessoal e encaminhamentos para a rede de serviços locais;
  • articulação da rede de serviços socioassistenciais e com outros serviços de políticas públicas;
  • mobilização de família extensa ou ampliada,
  • fortalecimento do convívio e de redes sociais de apoio;
  • articulação com órgãos de capacitação e preparação para o trabalho.

Alguns benefícios que os usuários recebem no Pop-Rua:

  • Segurança de acolhida. Acolhida digna nos serviços. Reparação de danos por vivências de violências e abusos. Preservação de sua identidade, integridade e história de vida. Alimentação adequada.
  • Segurança de convívio. Assegura-se a vivência familiar, comunitária e social. Acesso a serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas setoriais.
  • Segurança de desenvolvimento de autonomia. Vivência de respeito a si próprio e aos outros. Construção de projetos pessoais e sociais. Ser ouvido para expressar necessidades, interesses e possibilidades. Ser informado sobre direitos e como acessá-los. Fortalecer o convívio social e comunitário.
Veja a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, do Departamento de Gestão do SUAS (Secretaria de Assistência Social do MDS), que descreve todos os serviços de Proteção Básica e Especial, de modo mais amplo que a Resolução nº 109 de 2009 do CNAS.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Surge um centro exclusivo para população de rua

Em maio de 2008, um grupo de trabalho interministerial — instituído em 2006, com participação do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) e outros atores sociais — apresentou a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua.

O documento inclui uma descrição geral da população de rua no Brasil, diretrizes para a ação pública, e estratégias para uma agenda mínima em conjunto com a sociedade. Mas não mencionou formas concretas de aplicação das políticas.

A Política Nacional de Assistência Social, de 2004, havia definido brevemente os centros de referência de assistência social (CRAS), de caráter preventivo, e os centros de referência especializados, que atendem situações de violação de direitos (p. 29 e 32, respectivamente), mas também não especificava os tipos desses centros especializados.

Estes últimos ficaram conhecidos como CREAS e, em cidades maiores, ganharam "sobrenomes" específicos de acordo às situações atendidas: CREAS Mulher, CREAS Violência, CREAS Idoso e outros.

São nomes técnicos mas que aludem com clareza e sem conotações negativas aos problemas atendidos. Na fala popular brasileira, a sigla ficou com o E aberto (créias ou créas), pronunciado aqui no Rio Grande do Sul com o E fechado (crêas). Em Bagé, o acento deslocou-se para o A (crê-ás).

Foi em dezembro de 2009, com a Política Nacional para a População em Situação de Rua (v. Decreto nº 5073), que o governo deu um impulso maior à proteção especial para a população de rua, ainda não atendida oficialmente pelos CREAS.

Algumas cidades já contavam com esse serviço, criado por alguns governos municipais: Juiz de Fora (MG) criou o CREAS Pop-Rua em janeiro de 2009 (leia notícia) e São Leopoldo (RS) tinha desde 2005 o CREPAR, para população adulta de rua (veja definição).

O Conselho Federal de Psicologia já usava desde 2006 a sigla CREPOP: Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (veja nota). Portanto, ela não deveria ser usada na área da Assistência Social, para não levar a possíveis confusões.

Em maio de 2010, o governo federal destinou verbas permanentes para municípios grandes (de mais de 250 mil habitantes) que aceitassem aplicar as políticas públicas a este segmento mais fragilizado da população (veja notícia).

O projeto ficou oficialmente com o apelido de CREAS Pop, que se aplica indistintamente: ao serviço principal dado pelo centro (ações de atendimento), ao lugar físico (a casa sede do centro) e à estrutura administrativa do SUAS: o Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População em Situação de Rua.

Pelo menos uma dúzia de cidades brasileiras já inaugurou seu centro, sendo o prazo final de implementação até março de 2011. Pelo que sabemos de uma pesquisa rápida pela internet, Pelotas é a única cidade gaúcha em fase de criação do seu CREAS Pop-Rua, com sede própria (no Centro da cidade) mas ligado ainda à estrutura do único CREAS (localizado no bairro Cruzeiro).

Futuramente, talvez se assuma plenamente como um novo CREAS, dependendo do investimento da Prefeitura e do apoio da comunidade geral pelotense. Teria então seu logo, seu abrigo ou república (a Casa de Passagem ainda é independente do serviço à população de rua), seus padrinhos etc.
Imagens da web

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Berenice Nunes, Secretária de Cidadania e Assistência Social

Desde terça (1), a psicóloga Berenice Martinez Nunes (PP) é a nova secretária municipal de Cidadania e Assistência Social. A pasta é responsável pelas políticas públicas de assistência social em Pelotas (leia a nota oficial) e tem essa denominação há cerca de dez anos.

Nesse dia, Berenice substituiu no cargo a professora Carmem Elizabeth Marques Dias, que assume outro posto no formato administrativo inaugurado pelo prefeito Fetter. Os novos secretários e assessores deverão seguir em seus postos até 1 de janeiro de 2013, quando assumir o novo prefeito.

Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos (UFRGS) e em Administração de Empresas (FGV), a nova gestora fazia parte do Comitê da Qualidade da Prefeitura e atuava como secretária-adjunta da Secretaria de Coordenação e Planejamento (SCP), agora extinta.

Além da consolidação dos projetos de assistência e inclusão, focos centrais da Secretaria de Cidadania e Assistência Social (SMCAS), Berenice pretende ampliar a qualificação do quadro funcional, que, por conhecê-lo indiretamente desde antes, ela considera de excelência técnica e altamente comprometido com o trabalho e com o serviço ao cidadão.
Foto: site da Prefeitura

Atualização (2013)
Berenice Nunes ficou um ano na SMCAS, reassumindo Elizabeth Dias até dezembro de 2012.
Em janeiro de 2013, o novo prefeito, Eduardo Leite (PSDB), reestruturou a pasta, que ficou denominada como Secretaria de Justiça Social e Segurança.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Duas populações, dois mundos

Olha, Sofia! O coitadinho não tem casa!
.
Duas populações sociais incomunicadas. Numa delas, a conservação dos bens e a estabilidade da relação com o sistema social. Na outra, a mobilidade nos territórios, a perda e a renovação constante de tudo, e a fragilidade dos vínculos com a vida e suas redes.

Cada indivíduo humano precisa parar e deslocar-se cada dia, guardar e jogar fora, sujar-se e limpar-se, apegar-se e libertar-se, obedecer e infringir, dominar e expulsar, sentir vazios e conquistas. Mas na sociedade há uma caricatura de dois mundos contrapostos e sem harmonia. Com que necessidade, se todos seus integrantes são humanos, e os dois são universos que se complementam?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Realidade atual do morador de rua em Pelotas

Em dezembro passado, alunos de Jornalismo da UFPel realizaram um ensaio audiovisual sobre moradores de rua. Visitaram o Albergue e a Casa de Passagem, entrevistaram-se com a autoridade municipal, acompanharam a abordagem noturna e pediram opiniões a pessoas no centro da cidade. Só faltou o lado científico, para esclarecer algum aspecto social, psicológico ou ético. Após a edição, postaram na internet o trabalho, chamado "Sexta Opinião".

O programa se mostra como uma reportagem de TV com elementos de cinema, e apresenta sem maiores pudores uma realidade dura e os mais diversos pontos de vista relacionados com o problema (entende-se que o objetivo era mais a pesquisa de denúncia). Por seu lado, a edição não deixa de assinalar incoerências dos entrevistados e pontos dramáticos dos testemunhos. Dois desfechos (o desejo final do entrevistado, e o livro que um morador lia) deram o toque humano certo (veja aqui a segunda parte).

No entanto, a mistura de tipos de mídia e formatos (elementos de TV, cinematográficos, da internet), o uso de uma alegre música em inglês, There's got to be a way), além de um excessivo destaque dado aos autores do vídeo dissolve o lado trágico e doloroso da realidade mostrada, associando-o a algo mais espetacular, romântico ou mesmo simpático. É preciso discutir, também, pelo menos duas questões éticas neste trabalho:

  • a incoerência entre os modos de tratar os entrevistados (tu, você, o senhor): os pronomes de tratamento são os mais indicados para denotar respeito à dignidade do outro, seja uma autoridade ou alguém em extrema pobreza;

  • a exposição pública de pessoas em situação vulnerável: mesmo que apareça somente a voz do entrevistado, em imagem escura (o que foi positivo para ocultar sua identidade), requer-se da autorização do afetado, exceto quando for uma criança, ou um assim chamado "deficiente mental" (nestes casos, requer-se de um parente adulto responsável).


domingo, 30 de janeiro de 2011

Análise da rejeição social ao morador de rua

No artigo Quem vocês pensam que (elas) são? - Representações sobre as pessoas em situação de rua (Psicologia & Sociedade, vol.16 nº 2, Porto Alegre 2004), Ricardo Mattos e Ricardo Ferreira discutem 5 rótulos negativos tipicamente atribuídos ao morador de rua: vagabundo (sem trabalho), sujo (com doenças físicas), louco (com doenças mentais), perigoso (agressivo ou criminoso) e "coitadinho" (necessitado de compaixão e assistência).

Segundo os autores, tal ideologia de rejeição legitima a violência física contra estas pessoas e serve de referência para que elas constituam suas identidades pessoais. A partir dessa imagem indigna e desumana, o morador de rua sofre o desprezo, o medo e o desejo de eliminação, por parte do resto da sociedade - a que tem domicílio fixo.

A denúncia vai diretamente contra 5 tipos de discurso rotulador que destroem a dignidade da pessoa em situação de rua: o psicologista, o higienista, o psiquiátrico, o criminológico e o religioso (na mesma ordem dos rótulos). Entende-se que esses discursos são a ideologia de base que origina a rejeição às pessoas de rua, mas o texto não mostra claramente um discurso melhor.

Sem sair da denúncia, o artigo analisa três possíveis formas com que estas pessoas elaboram este "universo simbólico perverso que as acomete": a loucura (como fuga da realidade), o suicídio (como consumação material da morte simbólica) e a resistência, a partir da transformação social (opondo-se a esta ideologia de rejeição, através da luta pelos seus direitos). As duas primeiras assimilam a agressão externa, e a terceira seria a única opção positiva (defensiva e autoafirmativa).

Nas entrelinhas de alguns testemunhos de moradores de rua de São Paulo, os autores querem sugerir formas de abrir-se a esta população como seres humanos iguais a todos, necessitados de libertação e autonomia. No entanto, o texto se mantém num discurso de guerra, persecutório e dualista (opressores e oprimidos; resignação ou rebeldia), sem vislumbrar que o sofrimento está instalado no ser humano, pesquisador ou pesquisado, domiciliado ou não, "incluído" ou não.
Foto de Rubens Flores, em Itajaí (SC), Balaio de Siri

sábado, 29 de janeiro de 2011

Primeiros anúncios do Pop-Rua em Pelotas

Já contratados 4 profissionais para o novo projeto que estará ligado ao CREAS Pelotas, a secretária municipal de Cidadania e Assistência Social — Carmem Elisabeth Marques Dias (foto) — anunciou à comunidade o "CREAS Pop", serviço socioassistencial destinado a população de rua. Neste blog vamos chamá-lo por enquanto "Pop-Rua", tanto o serviço como a estrutura administrativa.

A notícia foi dada pelo site da Prefeitura na terça 25 de janeiro, com este título: Cidadania: um novo local para acolher a população de rua (clique para ler o texto completo).

Em seus últimos dias como titular da pasta (transmite o cargo na terça 1 de fevereiro), Elisabeth explicou que o serviço se destinava "exclusivamente à população adulta que vive em situação de rua", atendimento que ainda não existe em Pelotas, pelo menos durante o dia. À noite, a Casa de Passagem ainda é a única opção de acolhimento.

Ainda segundo a secretária, a equipe técnica teria duas assistentes sociais, um psicólogo e um agente administrativo, contratados por concurso público, todos com a função de recuperar a cidadania e os direitos sociais dos moradores de rua (alimentação, higiene, espaço para guarda de pertences pessoais, encaminhamento aos demais setores de saúde, socioeducação, fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares e construção de novos projetos de vida).

Três dias depois, o Diário Popular recolheu a novidade com a manchete: Creas Pop já tem endereço (clique para ler a matéria). Em entrevista com a chefe da pasta, a repórter Tânia Cabistany informou detalhes de localização do centro especializado: uma casa na rua Doutor Cassiano (foto à esquerda), que atenderá, das 8h às 17h, adultos que vivem em situação de rua.

Reiterou-se que a Casa de Passagem (Rua Três de Maio, 1.074) complementaria o projeto, dando hospedagem noturna; essa opção, no entanto, tem várias condicionantes e limitações (que veremos futuramente).
Fotos: Betel (1) e F.A.Vidal (2)