quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Como é bom se sentir acompanhado!

O sacerdote jesuíta chileno Felipe Berríos assinava, ao redor do ano 2005, uma coluna no jornal El Mercurio de Santiago do Chile, um de cujos textos levou o título: "O sentido do Natal" (leia o original El Sentido de la Navidad).

Lembro quando eu era seminarista e estudava Teologia no centro jesuítico. Era véspera do Natal e eu passava defronte a um edifício próximo a nossa casa, no centro de Santiago.

Nisso, ouvi gritos e vi um mendigo sendo expulso pelo portão. Nós conhecíamos todos os que diariamente batiam nas portas pedindo ajuda, e este era um que chamávamos de Filósofo: ele mereceu o apelido porque lia muito e costumava comentar os artigos da nossa revista. *

Com sua longa barba e roupas esfarrapadas, o Filósofo caiu na calçada, sem se machucar, mas estava alterado e se sentia ferido em sua dignidade. Saímos caminhando e eu tentava acalmá-lo, dizendo que era Natal e não valia a pena se incomodar. Ele falava da sua humilhação em ser tratado como um bicho, principalmente pelo seu aspecto e porque mendigava.

Chegamos perto da minha casa, já mais calmo ele, e eu perguntei se ele queria comer alguma coisa. Disse que não, mas ele é que ia me convidar.

Sem esperar a resposta, tirou de um dos sacos uma garrafa plástica das grandes, sem gargalo, engordurada por fora, cheia de comida que ele havia recolhido das lixeiras da rua: restos de peixe, de torta, de arroz, pão, tomates.

Sentamos no meio-fio para a nossa refeição. Usando um pão como colher, o Filósofo me ofereceu a primeira porção. Não sei que cara fiz, mas ele disse:

— Não se preocupe, padre, é comida fresca. Recém tirei do lixo.

Fiz um esforço e engoli aquele primeiro pedaço, que foi o mais difícil. O que mais me desagradou foi perceber, com a língua, caroços de azeitona deixados por alguém naquelas sobras. No final, o Filósofo me agradeceu a companhia no almoço e disse:

— O senhor não tem ideia como é bom se sentir acompanhado.

Eu também lhe agradeci pela companhia, mas o que ele nunca soube é que eu agradecia muito mais por ter sentido a profundidade daquele Natal: o fato de que o Filho de Deus vem compartilhar nossa humanidade, nascer entre nós para fazer-se como nós, sem se envergonhar da nossa condição humana.

Assim como aquele mendigo, nós humanos podemos dizer com alegria, ao sentir em cada Natal o Filho de Deus junto de nós:

— Vocês não têm ideia como é bom se sentir acompanhado!

* Revista Mensaje, publicação mensal dos jesuítas
Foto: Ronaldo Mitt (Flickr)

Um comentário:

Anônimo disse...

Bonito texto: questionador, "mexedor", rsrs, do coração da gente!
Visitarei o blog _ que está ótimo! _ mais seguido!
Abr,
Tê!